domingo, setembro 05, 2010

Capítulo 8

Presidiário fuma crack para comemorar a vitória.
O primeiro colocado do concurso de redação antidrogas na Casa de detenção Moreira Aguiar recebeu trezentos maços de cigarro como prêmio e comemorou a vitória consumindo crack a semana inteira.
O volume da televisão estava alto, as notícias chegavam no banheiro. Vozes também. Érica ria da reportagem, crack, o ralo, eu me ensaboava, água, chovia, enxaguava, queria me acalmar antes de conversar com Cledir. Errar quatro tiros, eu estava irritado, tudo errado, que coisa mais estúpida, Ezequiel poderia ter morrido sem saber de nada, dignamente. Morrer não é problema. O terrível é quando a morte te faz contar dez, nove, oito, sete, seis, cinco, as doenças sem cura, os aviões que têm as turbinas quebradas, quatro, três, dois, cair, cair, cair, até atingir o mar e explodir, foi isso que fiz com Ezequiel. Errei, a vida inteira tinha sido assim, errar, largar coisas pela metade, fazer malfeito, errar. Nunca consegui aprender matemática. Nem química. Nunca entendi as palavras que eles usam nos jornais. Viviam desenhando orelhas de burro nas capas dos meus cadernos, enquanto, no recreio, eu observava as crianças comerem lanches Mirabel.
(...)

livro O Matador, de Patrícia Melo