quinta-feira, setembro 27, 2007

O massagista

O sol coroava mais uma manhã. Ele lia o “Financial Times”. Eu olhava o mar, visando o horizonte. As pessoas costumam admirar o horizonte. A mim, ele entristece. Lembra-me a jovem alegre e cheia de sonhos que fui um dia.
- Senhora, seu Martíni – o garçom evanesceu meus pensamentos.
Mais minutos de silêncio depois, ele diz ao consultar o relógio:
- Está na hora de sua massagem, querida.
Saio, aliviada por livrar-me daquele horizonte e do símbolo concreto de minha melancolia por este, lendo o “Financial Times”. Ao entrar no quarto, ele já esperava por mim. Caminhei em sua direção e beijei-lhe ardentemente.
- Aqui? – ele pergunta inseguro. Sorrio e tiro sua camisa.
- A porta está entreaberta – ele continua.
- Deixa – falo. Eu queria assim. Agora éramos dois corpos nus, entrelaçados. Estávamos em pé, minhas pernas em volta de sua cintura, as mãos dele em minhas coxas. Quentes. Suados.
Foi então que o vi. Ele olhava da porta. Eu sabia que viria. Ele ficou parado por alguns instantes, que devem ter-lhe parecido uma eternidade, e então saiu. Ele saiu como se não tivesse visto nada. Indiferente. Foi como se meu último suspiro de vida se esvaísse.
E o massagista nem fazia o meu tipo...

quinta-feira, setembro 20, 2007

...Eis a questão

E se a questão não for por que é tão raro eu ser a pessoa que realmente quero ser, e, sim, por que é tão raro eu querer ser a pessoa que realmente sou?

no livro "A Dança" de Oriah Mountain Dreamer

domingo, setembro 16, 2007

Fragmento

"E certa noite, você foi embora. Em sua canoa, de pé sobre as águas, você se desvaneceu na névoa. Ninguém viu. Só eu vi. Eu era um menino, e você nem percebeu. Vejo você até hoje."


(História da Intrusa do livro Palavras Andantes de Eduardo Galeano)

sábado, setembro 15, 2007

1956

Katy era mulher de poucas palavras. Tinha um corpo tão perfeito que nem precisava falar. Além disso, sabia tirar partido daquele corpo, e essa era outra de suas muitas habilidades. Em plena guerra fria, graças à sua natural discrição, além de outras virtudes, foi lançada no mundo da espionagem. Mas um desafortunado amor - as espiãs também amam - obrigou-a a desaparecer e mudar de personalidade, maquiagem e cor dos cabelos. Refugiou-se na Espanha, onde ninguém a conhecia.
Na Espanha, estavam preparando o boom econômico; e ela, que conhecia vários idiomas, não demorou a conseguir trabalho.
Embora nunca revelasse o seu passado, demonstrou tamanhos dotes de observação que em pouco tempo acabou trabalhando como espiã.
A "Casa Aurora", que competia com a "Chu Ming Ho" na fabricação e venda de absorventes femininos, contratou-a para seguir de perto os planos do chinês Ming.
Quando Ming a viu pela primeira vez, não titubeou em transformá-la em sua secretária. E pouco depois em sua amante. Katy, porém, num instante ficou cheia do chinês e de seu império comercial.
Certo dia de 1956, a espiã corria pelas escadas do prédio que servia de casa, laboratório e fábrica de Chu Ming, perseguida pelo magnata dos absorventes femininos. Conseguiu chegar no terraço da cobertura. Lá no alto, um helicóptero esperava por ela, com um maduro e atrativo ex-agente secreto a bordo. Era um antigo louco amor de Katy, que estava abandonando tudo e ia se exilar com ela na Oceania. Pelo menos, era o que ele pretendia fazer. Katy estava entrando no helicóptero quando Ming conseguiu agarrar sua perna. A moça fez força para entrar no aparelho, enquanto propiciava ao chinês um pontapé que acertou seus bagos em cheio. Na luta, Ming tinha conseguido arrancar um dos sapatos de salto alto da moça.
O helicóptero levantou vôo e desapareceu na imensidão do céu.
O chinês sacudia a ameaçadoramente o sapato, enquanto vociferava contra Katy em seu idioma materno.
Era a imagem eloquente da impotência humana.

Capítulo primeiro do livro "Fogo nas Entranhas" de Pedro Almodóvar

sexta-feira, setembro 14, 2007

Cultura - Arnaldo Antunes

O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.

O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.

O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.

O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.

A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.

O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.

O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.

O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.

Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Resenha crítica

O Baixio das Bestas
Brasil, 2007, Drama

Um velho tira a roupa da menina em um baixio atrás de um posto de gasolina no Nordeste. Ela fica ali em pé, nua, parada, de cabeça baixa enquanto vários homens se masturbam. Essa é a primeira cena de “O Baixio das Bestas” e imediatamente se compreende o nome do filme. A película é um lembrete de que ali do lado a vida é cruel. A inocência é arrancada bruscamente. A violência é mascarada pela miséria. São todos vítimas de uma terra castigada. O único vilão é a pobreza. Socialmente é um soco no estômago. Como obra de arte, dá nojo. É realista demais. Realidade que incomoda. É brasileiro do início ao fim.

domingo, setembro 09, 2007

Imagine

Realidade é pra quem não tem imaginação.


sábado, setembro 08, 2007

Tietagem

GATO!

sexta-feira, setembro 07, 2007

Aconteceu comigo

Sempre caminhava na estrada de um bairro afastado, na zona rural da pequena cidade da minha infância. Toda vez que passava por ali, reparava nas humildes casinhas em meio aqueles enormes eucaliptos. Mas nunca vi ninguém, apenas sentia o aroma do café.
Em uma manhã, enquanto andava absorta em meus problemas, avistei um senhor. Ele estava sentado em um toco de árvore, diante do portão de uma pobre casa. Ao passar, ele me olhou, abriu um sorriso quase sem dentes e disse: Bom dia. Retribuí o sorriso e o cumprimento.
Foi um momento de iluminação para mim. Aquele em que a gente compreende que a felicidade está nas coisas simples da vida. No abraço de meu pai, no chamamento carinhoso de minha mãe, nas brincadeiras com meus irmãos, nas gargalhadas com os amigos... No sorriso de um pobre velho, habitante de uma pobre casa, mas mais rico que eu, por conservar o seu sorriso.
Aquele modesto ancião, com toda a sua pobreza, com seu sorriso sincero me fez sentir vergonha da minha vida egoísta e de excessos. É triste que tenhamos que lamentar a vida dos outros para dar valor à nossa própria.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Wish You Were Here - Pink Floyd

So, so you think you can tell Heaven from Hell,
blue skies from pain.
Can you tell a green field from a cold steel rail? A smile from a veil?
Do you think you can tell?

And did they get you trade your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees? Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change? And did you exchange
a walk on part in the war for a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls swimming in a fish bowl,
year after year,
running over the same old ground. What have we found?
The same old fears,
wish you were here.____________


"somos apenas duas almas perdidas (...)
o que encontramos?
os mesmos velhos medos
Queria que você estivesse aqui"

segunda-feira, setembro 03, 2007

Janela sobre o corpo - Eduardo Galeano

A Igreja diz: O corpo é uma culpa.
A ciência diz: O corpo é uma máquina.
A publicidade diz: O corpo é um negócio.
O corpo diz: Eu sou uma festa.



domingo, setembro 02, 2007

Mais só do que eu merecia

Em 19 anos que nasci, depois de viver experiências, de dar uma olhada para a vida que os outros levam, de ouvir pessoas, cheguei a mais uma conclusão: É importante que se trace uma meta para sua vida, porque só assim faz sentido ir em frente. Além do que, não fica perambulando por aí... Sem saber o que fazer e onde ir. Necessitamos de objetivos. Saber onde quer ir. Ou pelo menos, querer ir a algum lugar. Tomar um rumo e seguir em frente. Sempre em frente. No máximo, olhar para os lados. Pois bem, EU não tenho objetivos. Não sei o que fazer. O que esperar. Para onde ir. No momento, encontro-me completamente perdida. Dá vontade de gritar. AAAAAAAAAAAAHHHHHHH. Mas de que vale? Continuo sem norte. Meu coração diz para, assim como Ismália, me jogar e voar até chegar ao mar. Sentir a brisa no rosto. Fechar os olhos e ser livre. Por toda a eternidade... Mas Ismália acreditava em sua loucura. Eu não creio em nada. Um vazio é o que sou e o que sinto. Disseram-me que desisti de mim mesmo. Temo que seja verdade. Experimento um niilismo consciente. Silêncio.