terça-feira, setembro 21, 2010

Capítulo 26

(...)
Ele estava usando uma sandália Havaiana toda arrebentada, fiquei com dó do Marcão.
Certeza absoluta, alguém me dedurou, continuou Marcão. Quem iria te dedurar?, eu perguntei. Sei lá, alguém que quer me foder. E quem quer te foder? Sei lá, disse Marcão, agora eu sou bacana e se há uma coisa que ninguém suporta em nenhuma parte do mundo é ver um cara se dando bem na vida. Sandália Havaiana, olhei de novo. Eu venci, ele falou, eu tenho um carro bacana, eu tenho dinheiro, ninguém suporta isso, um preto com dinheiro num carro bacana, um preto entrando num restaurante, um preto numa boa dando risada por aí, eles não toleram, ficam doidos de ódio, a realidade é essa, ele disse, esperamos que as pessoas, inclusive nossos amigos, vivam uma vidinha bem besta, ou então que acabem todos no esgoto de uma vez, que é para a gente não ter que cruzar com eles numa boa por aí, porque nós, todos nós, o ser humano não suporta o sucesso de outro ser humano, nós odiamos o Pelé, ele disse. Eu não odeio o Pelé, eu falei. Nem eu, disse o Marcão, pessoalmente eu não odeio o Pelé, você pessoalmente não odeia o Pelé, mas a nossa alma odeia o Pelé, odiamos o Pelé porque ele não morreu bêbado e pobre, lambendo gramados, e nós achamos isso decente, lamber gramados. Como é que vocês vão me tirar daqui?, ele me perguntou. Ainda não sei, eu disse. (...)


livro O Matador, de Patrícia Melo