terça-feira, junho 01, 2010

O caso do anão (parte II)

Continuando...
"A vagina dentata! céus! Minha alma se encheu de terror. Sendo um anão, e ainda por cima preto, e ainda por cima velho, ainda que não pareça, por todos esses motivos eu não podia dizer a ela 'sua vagina está me assustando', isso um homem, ainda mais um homem de peculiaridades, como eu, nunca confessa. Aliás, medo, nessa circunstância, ou em qualquer outra, para ser exato, eu só havia tido uma vez, antes, na minha vida, mas aí foi por causa do cheiro. Essa é outra história interessante, que eu, se puder, se der tempo, conto ainda hoje; era um cheiro de inferno, de deixar qualquer um arrepiado, e olha que eu já andei onde nem rato anda - mas isso fica para depois. Então eu disse a ela que sentia fome, peguei o telefone e disse para me mandarem um filé com fritas. Antes perguntei se ela queria alguma coisa, ela disse que não, que não, e ficou se revirando na cama, de um lado para outro, gemendo e me chamando, como um tigre no cio. (...) Quem trouxe a comida foi uma garçonete, que fez uma cara engraçada quando me viu, meio envergonhada, como se um anão não fodesse como todas as outras pessoas - e é sabido, repito, que nosso pau e nosso tesão são maiores do que o dos outros -, (...) Nesse instante veio de dentro do quarto um gemido mais alto, cruciante, um barulho estridente, meio máquina, meio bicho. Contra a minha vontade, como se as minhas pernas fossem comandadas por outra pessoa, voltei para o quarto. Ela estava deitada em decúbito dorsal, com as pernas desmesuradamente abertas, dura, como se estivesse sofrendo de uma violenta cãibra, ou uma convulsão, parecia uma boneca de ferro, os dentes cerrados, os olhos fechados, o rosto torcido de dor. Por entre os dentes ela dizia qualquer coisa, sons difíceis de entender, mas que afinal compreendi. Pediu que eu não a deixasse morrer. Como foi que eu soube o que fazer? (...) Só havia uma coisa capaz de salvá-la! Peguei o bife e enfiei-o lentamente, carinhosamente na vagina pulsante, alimentando-a com meticuloso cuidado. Logo senti, à medida que a carne de vaca era devorada pela frincha creófaga, que a respiração dela normalizava-se, os músculos perdiam a contratura, o rosto voltava a ficar bonito."

(Trecho do livro A Grande Arte de Rubem Fonseca)