terça-feira, setembro 23, 2008

Julgamento de um poeta

Foi julgado na União Soviética o poeta Joseph Brodsky. Aqui estão trechos taquigráficos de seu julgamento:

O interrogador: - Qual é seu nome?
O poeta: - Joseph Brodsky.
O interrogador: - Qual é sua ocupação?
O poeta: - Escrevo poemas. Traduzo. Suponho que...
O interrogador: - Não interessa o que o senhor supõe. Fique em pé respeitosamente. Não se encoste na parede. Olhe para a corte. Responda com respeito. O senhor tem um trabalho regular?
O poeta: - Pensei que fosse um trabalho regular.
O interrogador: - Dê uma resposta precisa.
O poeta: - Eu escrevia poemas: julguei que seriam publicados. Supus...
O interrogador: - Não interessa o que o senhor supõe. Responda porque não trabalhava.
O poeta: - Eu trabalhava; eu escrevia poemas.
O interrogador: - Isso não interessa. Queremos saber a que instituição o senhor estava ligado.
O poeta: - Tinha contratos com uma editora.
O interrogador: - Há quanto tempo o senhor trabalha?
O poeta: - Tenho trabalhado arduamente.
O interrogador: - Ora, arduamente! Responda certo.
O poeta: - Cinco anos.
O interrogador: - Onde o senhor trabalhou?
O poeta: - Numa fábrica, em expedições geológicas...
O interrogador: - Quanto tempo trabalhou na fábrica?
O poeta: - Um ano.
O interrogador: - E qual é seu trabalho real?
O poeta: - Eu sou um poeta. E tradutor de poesia.
O interrogador: - Quem reconheceu o senhor como poeta e lhe deu um lugar entre eles?
O poeta: - Ninguém. E quem me deu um lugar entre a raça humana?
O interrogador: - O senhor aprendeu isso?
O poeta: - O quê?
O interrogador: - A ser poeta? Não tentou ir para uma Universidade onde as pessoas são ensinadas, onde aprendem?
O poeta: - Não pensei que isso pudesse ser ensinado.
O interrogador: - Então como...?
O poeta: - Eu pensei que... Por vontade de Deus...
O interrogador: - É possível ao senhor viver do dinheiro que ganha?
O poeta: - É possível. Desde que me prenderam sou obrigado a assinar um documento, todos os dias, declarando que gastam comigo quarenta copeques. Eu ganhava mais do que isso por dia.
O interrogador: - O senhor não precisa de ternos, sapatos?
O poeta: - Eu tenho um terno. É velho, mas é um bom terno. Não preciso de outro.
O interrogador: - Os especialistas aprovaram seus poemas?
O poeta: - Sim, fui publicado na Antologia dos Poetas Inéditos e fiz leituras de traduções do polonês.
O interrogador: - Seria melhor, Brodsky, que explicasse à corte por que não trabalhava no intervalo de seus trabalhos.
O poeta: - Eu trabalhava. Eu escrevia poemas.
O interrogador: - Mas existem pessoas que trabalham numa fábrica e escrevem poemas ao mesmo tempo. O que o impediu de fazer isso?
O poeta: -As pessoas não são iguais. Mesmo a cor dos olhos, dos cabelos... a expressão do rosto.
O interrogador: - Isso não é novidade. Qualquer criança sabe disso. Seria melhor que explicasse qual a sua contribuição para o movimento comunista.
O poeta: - A construção do comunismo não significa somente o trabalho do carpinteiro ou o cultivo do solo. Significa também o trabalho intelectual, o ...
O interrogador: - Não interessa as palavras pomposas. Responda como pretende organizar suas atividades de trabalho no futuro.
O poeta: - Eu queria escrever poesia e traduzir. Mas se isso contraria a regra geral, arranjarei um trabalho... e escreverei poesia.
O interrogador: - O senhor tem algum pedido a fazer à corte?
O poeta: - Eu gostaria de saber porque fui preso.
O interrogador: - Isso não é um pedido; é uma pergunta.
O poeta: - Então não tenho nenhum pedido.

Brodsky foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados, numa fazenda estatal de Arcangel, na função de carregador de estrume. O poeta tinha vinte e quatro anos.

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