terça-feira, outubro 26, 2010

Dois velhinhos

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo. 
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora. 
Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. 
Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro: 
— Um cachorro ergue a perninha no poste. 
Mais tarde: 
— Uma menina de vestido branco pulando corda. 
Ou ainda: 
— Agora é um enterro de luxo. 
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.  
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo. 
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.

Dalton Trevisan