terça-feira, outubro 27, 2009

Clube da Luta - Capítulo 1

Primeiro Tyler me arruma um emprego de garçom, depois enfia um revólver na minha boca e diz que o primeiro passo para a vida eterna é morrer. Por muito tempo Tyler e eu fomos grandes amigos. As pessoas estão sempre me perguntando se conheço Tyler Durden.
Com o cano da arma quase encostado no fundo da minha garganta, ele afirma:
— Ninguém quer morrer de verdade.
Sinto na língua os buracos silenciadores que furamos no cano do revólver. Grande parte do ruído da detonação é produzido pela expansão dos gases, tem aquele silvo supersônico que a bala faz quando disparada. Para fazer um silenciador, basta furar buracos no cano da arma, vários deles. Isso permite que o gás escape e a bala saia abaixo da velocidade do som.
Se furar errado, o revólver explode na sua mão.
— Não é realmente uma morte. A gente vira lenda. Não vai envelhecer — continua ele.
Empurro com a língua o cano da arma para a bochecha e digo, Tyler, você está falando de vampiros.
Estamos no alto de um prédio que em dez minutos deixará de existir. Pegue vapor de ácido nítrico com 98% de concentração e adicione o ácido a três vezes a mesma quantidade de ácido sulfúrico. Faça isso num banho de gelo. Depois, com um conta-gotas, pingue glicerina lentamente. E você obterá nitroglicerina.
Sei disso porque Tyler sabe disso. A nitro misturada a pó de serra também dá um bom explosivo plástico. É só misturar a nitro com algodão e adicionar sal amargo como sulfato. Também funciona. Outros preferem misturar parafina. Para mim, parafina nunca funcionou.

Tyler e eu estamos no alto do Parker-Morris Building com a arma enfiada na minha boca e ouvindo os vidros se estilhaçando. Estamos na beira do telhado. É um dia nublado, mesmo na altura em que estamos. É o prédio mais alto do mundo, aqui em cima é sempre frio. E muito silencioso; você se sente como um desses macacos do espaço que só fazem aquilo que são treinados para fazer. Puxe a alavanca. Aperte o botão. Você não entende nada e, depois, simplesmente morre.
Acima do centésimo nonagésimo primeiro andar, na beira do telhado, a rua matiza-se de um tapete rústico, com as pessoas paradas, olhando para cima. O vidro que se quebrou foi de uma janela logo abaixo de nós. Outra vidraça explode na parede lateral do prédio, de onde sai um fichário grande como uma geladeira preta, logo abaixo um arquivo com seis gavetas despenca pelo paredão e cai em lentas cambalhotas, e cai, cada vez menor, e cai, desaparecendo entre a massa de pessoas.
Num desses 191 andares sob os nossos pés, os macacos espaciais do Comitê de Maldades do Projeto de Ações Violentas estão feito loucos, tentando destruir cada resto de história.
Sabe aquele velho ditado que diz que a gente destrói quem mais ama? Bom, o inverso também é verdadeiro.
Com a arma enfiada na sua boca e o cano entre os dentes, só dá para falar as vogais.
Estamos nos nossos dez minutos finais.
Outra janela estoura no prédio, o vidro espirra para todo lado como uma revoada de pombos, e uma escrivaninha, empurrada pelo Comitê de Maldades, vem surgindo na parede lateral, balança, escorrega e vira um objeto mágico voador que se perde na multidão.
Em nove minutos o Parker-Morris Building não existirá mais. Pegue uma boa quantidade de gelatina explosiva e amarre nas colunas estruturais de qualquer coisa; dá para derrubar qualquer prédio do mundo. É só escorar bem com sacos de areia na base para que a explosão se dê contra a coluna e não se espalhe pela garagem.
Não se ensina nos livros como fazer isso.
Há três maneiras de fazer napalm: primeiro, misturando partes iguais de gasolina e suco de laranja concentrado e congelado. Segundo, misturando partes iguais de gasolina e coca diet. Terceiro, dissolvendo alimento granulado para gatos em gasolina, até formar uma pasta.
Quer saber como se faz o gás que afeta o sistema nervoso? Ah, e aqueles carros bombas fantásticos!
Nove minutos.
O Parker-Morris Building voará pelos ares, todos os 191 andares, e tombará lentamente como
uma árvore na floresta. É possível derrubar qualquer coisa. É estranho pensar que o lugar em que você está será apenas um ponto no céu.

Tyler e eu na beira do telhado, o revólver na minha boca, fico pensando se esse revólver está limpo. Ninguém mais se lembra das histórias de assassinato e suicídio de Tyler enquanto vemos outro arquivo despencar pela parede lateral do prédio, as gavetas se abrirem, uma pilha de papéis ser apanhada por uma corrente ascendente e se espalhar com o vento. Oito minutos.
Depois a fumaça, a fumaça saindo das vidraças quebradas. A equipe de demolição chegará à carga principal em, talvez, oito minutos. A carga principal explodirá a carga da base, as colunas estruturais vão desmoronar e as fotos do Parker-Morris Building entrarão para os livros de história.
Uma seqüência de cinco fotos. Na primeira, o prédio ainda em pé. Na segunda, num ângulo de oitenta graus. Depois, 75 graus. Na quarta foto o prédio está num ângulo de 45 graus, a estrutura começa a ceder e a torre a se curvar levemente. Na última foto, a torre, todos os 191 andares, despencam ruidosamente sobre o museu nacional, que é o verdadeiro alvo de Tyler.
— O mundo é nosso, o nosso mundo, e toda essa velharia vai morrer — diz Tyler.
Se eu soubesse aonde tudo iria dar, ficaria mais feliz se morresse e fosse logo para o céu.
Sete minutos.
No alto do Parker-Morris Building com a arma de Tyler dentro da minha boca. Enquanto mesas, arquivos e computadores despencam como meteoros sobre a multidão ao redor do prédio, enquanto saem espirais de fumaça pelos vidros quebrados e a três quarteirões daqui a equipe de demolição olha o relógio, eu sei de tudo: a arma, a anarquia, a explosão, tudo isso tem que ver com Marla Singer.
Seis minutos.
Existe uma espécie de triângulo entre nós. Eu quero Tyler. Tyler quer Marla. Marla quer a mim.
Eu não quero Marla, e Tyler não me quer ver por perto, nunca mais. Isso não tem nada que ver com amor, como na proteção. Tem que ver com propriedade, como no domínio.
Sem Marla, Tyler não teria nada.
Cinco minutos.
Talvez a gente se torne uma lenda, talvez não. Eu acho que não, mas espere. Onde estaria Jesus se ninguém tivesse escrito os evangelhos?
Quatro minutos.
Empurro o cano do revólver para a bochecha e digo, se você quer ser uma lenda, Tyler, deixe comigo. Estou aqui desde o começo.
Eu me lembro de tudo.
Três minutos.